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100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922 - Segundo dia

Foto do escritor: O Blog do ClubeO Blog do Clube

Atualizado: 29 de mar. de 2022


Quando se fala de Semana de Arte Moderna não podemos deixar de lembrar do conflito entre Monteiro Lobato e Anita Malfatti em 1917, episódio esse que serviu como um estopim para os acontecimentos de 1922. Em 1916, após ter retornado dos estudos na Alemanha e Estados Unidos, Anita estava cheia de ideias e em 1917 resolve fazer uma exposição no centro de São Paulo. Chocado com a nova cara que a arte estava aos poucos mostrando, Monteiro Lobato faz uma crítica dura ao trabalho da artista, inclusive comparando com "arte da manicômio" e dando um tapa com luva de pelica, dizendo que ela não sabia o que estava fazendo lá.


"Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que vêem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. Quem trilha por esta senda, se tem gênio, é Praxíteles na Grécia, é Rafael na Itália, é Rembrandt na Holanda, é Rubens na Flandres, é Reynolds na Inglaterra, é Leubach na Alemanha, é Iorn na Suécia, é Rodin na França, é Zuloaga na Espanha. Se tem apenas talento, vai engrossar a plêiade de satélites que gravitam em torno daqueles sóis imorredouros. A outra espécie é formada pelos que vêem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como furúnculos da cultura excessiva."


No segundo dia das exposições, em 15 de fevereiro, temos Menotti del Picchia discursando sobre romancistas contemporâneos, acompanhado por declamações de poesias e números musicais. Oswald de Andrade é vaiado quando sobe ao palco e as ofensas só cessam quando a pianista Guiomar Novaes se junta a ele. Para fechar, Heitor Villa-Lobos se apresenta calçando um sapato em um pé e um chinelo no outro, foi também vaiado pelo público pois acharam que teria sido uma espécie de manifestação contra o conservadorismo mas, na realidade, após tudo isso ele explicou que tal situação ocorreu pois ele estava com um calo em um dos pés.

A resenha de hoje é sobre o livro Paulicéia Desvairada, de autoria de um dos artistas presentes no evento: Mário de Andrade. Gostei muito do início do livro onde temos o "Prefácio Interessantíssimo", de fato muito interessante, para mim, e considerado por muitos como um manifesto do modernismo. Nessa parte do livro ele cita e explica as técnicas utilizadas para escrever o livro e me surpreendeu muito o fato dele também ter sido "gente como a gente" e expressado sua subjetividade de uma maneira que realmente pude me conectar com ele e me identificar.


"Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para justificar o que escrevi. Daí a razão deste Prefácio Interessantíssimo. Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde principia a seriedade. Nem eu sei. [...] Todo escritor acredita na valia do que escreve. Si mostra é por vaidade. Si não mostra é por vaidade também. Não fujo do ridículo. Tenho companheiros ilustres. O ridículo é muitas vezes subjetivo. Independe do maior ou menor alvo de quem o sofre. Criamô-lo para vestir com ele quem fere nosso orgulho, ignorância, esterilidade. [...] Sobre a ordem? — Repugna-me, com efeito, o que Musset chamou: 'L’art de servir à point un dénoument bien cuit' (A arte de servir um resultado bem feito). [...] O impulso clama dentro de nós como turba enfurecida. Seria engraçadíssimo que a esta se dissesse: 'Alto lá! Cada qual berre por sua vez; e quem tiver o argumenta mais forte, guarde-o para o fim!' [...]".


Fecho a resenha com um dos poemas que mais me agradou:


ODE AO BURGUÊS


Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, o burguês-burguês! A digestão bem-feita de São Paulo! O homem-curva! o homem-nádegas! O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!


Eu insulto as aristocracias cautelosas! Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! que vivem dentro de muros sem pulos; e gemem sangues de alguns mil-réis fracos para dizerem que as filhas da senhora falam o francês e tocam os “Printemps” com as unhas!


Eu insulto o burguês-funesto! O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! Fora os que algarismam os amanhãs! Olha a vida dos nossos setembros! Fará Sol? Choverá? Arlequinal! Mas à chuva dos rosais o èxtase fará sempre Sol!


Morte à gordura! Morte às adiposidades cerebrais! Morte ao burguês-mensal! ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi! Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano! “- Ai, filha, que te darei pelos teus anos? – Um colar… – Conto e quinhentos!!! Mas nós morremos de fome!”


Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma! Oh! purée de batatas morais! Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! Ódio aos temperamentos regulares! Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia! Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados! Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos, sempiternamente as mesmices convencionais! De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! Dois a dois! Primeira posição! Marcha! Todos para a Central do meu rancor inebriante

Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio! Morte ao burguês de giolhos, cheirando religião e que não crê em Deus! Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! Ódio fundamento, sem perdão!


Fora! Fu! Fora o bom burgês!…

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